domingo, 26 de novembro de 2017

AS MORTES PELA ÁGUA


Na passagem de hoje para amanhã, nas primeiras horas da madrugada, há 50 anos, no dia 25 / 26 de Novembro – o 25 de Novembro de 1975 haveria de ficar na história por outras razões – no espaço de 2 ou 3 horas caiu tanta chuva como é normal cair durante um ano. Isto na zona de Lisboa, nos arredores pobres da capital. Terá sido a maior catástrofe natural de sempre ocorrida na zona de Lisboa, excepto o tsunami e abalo sísmico de 1755. 
Disseram as notícias que morreram naquelas cheias cerca de 500 pessoas, mas jornalistas ainda vivos e que andaram no terreno, bairro a bairro, casa a casa, dizem que contaram mais de 700 pessoas mortas. Sabe-se que, nesse tempo, politicamente tenebroso, a Comissão de Censura (Comissão do Lápis Azul) foi impedindo a divulgação das notícias sobre a catástrofe e, fazendo agora sorrir, e quando a contagem tornada pública ia nos 462 mortos, a Comissão de Censura determinou e deu ordem aos jornais e rádios: “Daqui em diante não morre mais ninguém”. E foi a contagem oficial de mortos.

Depois da tragédia, as autoridades tutelares, porque o que causou as inundações foram os ribeiros, todos relativamente pequenos, que extravasaram das margens e inundaram e levaram todas as construções abarracadas construídas nas margens, umas ilegais e outras licenciadas, as autoridades legislaram no sentido de IMPEDIR as construções nos leitos de cheias e as populações que não morreram e ficaram sem casa foram sendo levadas para fora da zona de risco. Contrariamente ao que se tentou insinuar, não foi qualquer enchente do Tejo que provocou danos. Nas suas margens nada aconteceu, além de algumas inundações de caves. Foram os ribeiros que para lá iam desaguar. Só na aldeia de Quintas, atravessada pelo ribeiro Grande Pipa morreram cerca de 100 pessoas das 150 que compunham a povoação.

Salvaguardando as devidas proporções de tempo, de precipitação, de densidade de ocupação construtiva nas margens, pensemos um pouco na Grande Cheia no rio Uíma em 1954. Se tal cheia tivesse ocorrido nos mesmos locais e com a mesma intensidade e ferocidade da água, mas já este século, as autoridades locais, não podendo mandar calar as notícias, passariam a dar ordens directas à água, impondo-lhe que se agachasse e passasse todinha por debaixo da ponte, que não derrubasse muros, que não levasse moinhos, que não arrastasse pontões e que não passasse dos baixos das casas mais tradicionais da baixa de S. Jorge, como a casa e moinho do Zé Moleiro, da casa do Lajeiro, da Pensão/Padaria do Celestino, nem dos baixos das Termas (na altura em obras de reconstrução). E em vez de condicionarem a edificação em leito de cheias, promoveriam a construção ilegal, sonegando informações, dando informações falsas à tutela das águas exteriores (ARHn – agora   APA) e à tutela regulamentadora da edificação nas zonas REN e zonas de cheia (CCDRn) e, para lavarem a face, neste caso com lodo, colheram e publicaram, sem nenhum esgar de vergonha, declarações mentirosas, uma feita por pessoa que nem sequer tinha nascido. Mas recusam-se a consultar e ouvir as pessoas que viram o fenómeno e viveram aqueles momentos de aflição. Muitas estão vivas e disponíveis para declarações.

Mudaram-se os tempos, mudaram-se as gentes. Umas mais ditatoriais, dominadoras das ideias e quase dos pensamentos, outras capazes de mentir, ignorar a informação, não muito abundante, mas que saiu e esteve e está disponível para consulta. Já havia jornais diários.

Ainda estão essas autoridades, com alguns elementos atirados a tiranetes, a tempo de se redimirem e reporem a verdade. A Cheia de 1954 foi a maior no Rio Uíma e não a de 2001 como alguns técnicos contratados disseram e escreveram, por incompetência ou por mentira paga.
José Pinto da Silva
Comentários
0 Comentários